O retrocesso da música em Mortal Kombat

Templo de Raiden — Fonte: Mortal Kombat Wikia

Mortal Kombat sempre foi sinônimo de sangue e extravagância, nunca perdeu em nada para os adversários (Killer Instinct e Street Fighter — mais o primeiro do que o segundo). Uma das características mais marcantes da série foi a trilha sonora com sua temática oriental, mesmo em outros reinos (como visto em Edenia e Netherrealm no Deception).

Dan Forden (compositor principal dos primeiros jogos da franquia) não marcava presença só no canto da tela (Toasty!), mas sua colaboração no desenvolvimento do jogo marcou gerações (tanto dos PlayStations quanto da época 16Bit/Arcade). Algumas das melhores trilhas do jogo são Kombat Tomb (WDYLMA) e The Subway. Chega a ser absurdo de tão boa a criatividade nessas trilhas.

Nesta postagem vamos entrar nos detalhes mais técnicos de forma simples e no motivo das trilhas sonoras dos jogos mais recentes da franquia não atenderem bem o público.

No começo

Se tratando de influências, é nítido que as músicas em Mortal Kombat (1992) tiveram inspirações variadas. De forma resumida foi música eletrônica e oriental, essa foi a receita para uma das melhores trilhas sonoras em jogos. O mesmo continuou em Mortal Kombat 2 (1993) e seguiu até Mortal Kombat Trilogy (1996).

Uma das características musicais dos MKs derivados do Mortal Kombat 3 (UMK3 e MK Trilogy) são os metais percussivos e o kick forte. Em The Subway e The Roof, essas características marcam mais do que presença, elas marcam memórias que constituem ritmos fortes e impactantes. The Bridge é outra clássica que usa o mesmo kick. Mortal Kombat 3 também apresentou The Church, uma das trilhas mais incríveis de toda a série — e um pecado a não reutilização ou uma releitura mais fiel dela em Mortal Kombat 2011. No geral, Mortal Kombat 1, 2, 3, UMK3 e Trilogy não possui músicas ruins.

Mortal Kombat 4 marcou um dos melhores momentos da franquia quando o assunto é música. Elder Gods se consagra como uma das melhores trilhas quando se trata da era pré-3D. Uma das favoritas dos fãs da franquia é, sem dúvida alguma, a Prison, que também serve de exemplo para mostrar que Forden continuou com os kicks e snares fortes nas trilhas. O legal dessa trilha é que ela tem uma antecessora, na qual a gente ganha uma aula gratuita de sound design: a Prison of Souls. Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero e Mortal Kombat 4 tem muitas semelhanças em sound design.

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Lembrando que a melodia da Prison of Souls é a mesma da Prison de Mortal Kombat 4, o que abriu portas para o tema de Escape servir como uma versão mais completa da Prison de Mortal Kombat 4.

Algumas músicas de Mortal Kombat são automaticamente associadas a um personagem — mesmo não sendo uma arena dedicada ao personagem (no caso da Goro’s Lair) — que no Mortal Kombat 4 é a The Tomb, onde você automaticamente associa a arena com Reiko (seja pelo ending do personagem ou por qualquer outro motivo aleatório).

Falando em The Tomb, a trilha também é outra que pode ser referência em sound design: os arpejos no começo são uma mistura de sine wave sem sustain, com decay mais curto e um pouco de compressão. Pra finalizar, temos os adicionais de steel pan pra dar mais textura e entre 0:05 e 0:06 há um som bem agudo com delay, algo semelhante ao mostrado nesse vídeo.

No mais, a trilha de Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero e Mortal Kombat 4 são excelentes e marcaram bem a época.

Com a chegada da era 3D, a chance de errar aumentava: você tinha mais possibilidades que antes só eram possíveis no arcade, pois no geral, é comum associar as limitações no desenvolvimento dos jogos ao fator musical criativo. Isso não aconteceu em Mortal Kombat — e nem em Top Gear.

Novo milênio, novas ideias

O primeiro passo foi Deadly Alliance (2002) — uma aposta arriscada (não só na dinâmica do jogo, mas também na história, pois pela primeira vez não tinha Liu Kang). O jogo apresentou incríveis trilhas sonoras, que iam desde a seleção de personagens até o último boss. Nada passou batido em termos de criatividade e originalidade.

Em termos de sound design, Deadly Alliance deu bastante holofote para o que é chamado de Acid — saw wave filtrada com uma pitada de ressonância. Aqui o Acid tem um pouco mais de modulação e apresenta características que ficam visíveis em trilhas como Acid Bath e Moloch’s Lair.

Outro elemento que tem muito destaque é o kick distorcido. Nas já citadas Moloch’s Lair e tela de seleção de personagens, o kick é praticamente o que define a identidade sonora do Deadly Alliance. Dragon Fly e House of Pekara são as únicas músicas que usam os taikos com mais presença no agudo ao invés do kick distorcido. Outras trilhas marcantes são Lin Kuei Temple e Kuatan Palace, sendo a primeira muito agradável no controle de espaço do áudio e a segunda no arranjo e melodia. No geral, o alto nível de qualidade da trilha sonora de Deadly Alliance definiu o que viria a ser um padrão pra praticamente todos os jogos da era 3D.

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Quando menciono era 3D, são os jogos Deadly Alliance, Deception, Shaolin Monks e Armageddon.

Quando junta-se a receita do que é bom com a empolgação de criar mais conteúdo, o sucesso é garantido. A trilha de seleção de personagens do Mortal Kombat Deception é de longe uma das melhores de todos os jogos da franquia.

O retorno da variação de Finish Him/Her e mais a criatividade das trilhas para o modo Konquest dão ao Deception um ar de originalidade, não visto antes em nenhum outro jogo da série.

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Mortal Kombat Deception ganhou o título de melhor jogo de luta da E3 em 2004.

Dan Forden, apesar de estar na equipe de desenvolvimento do Deception, tinha o cargo de diretor de áudio ao invés de ser compositor. Por isso, as trilhas eram compostas mais por outros do que por ele. O mesmo vale para Shaolin Monks e Armageddon. Isso não muda o fato de que Forden deu uma identidade única para atmosfera musical da fraquia e que hoje está na memória de milhões de fãs. Atmosfera essa que Shaolin Monks (2005) herdou do Deception.

A maioria das trilhas de Shaolin Monks tem o foco voltado mais pra ambiência. Aqui a trilha sonora não ganha tanto destaque no jogo, mas também não fica devendo nada. Todas as trilhas fizeram o trabalho certo: deixar o jogador imerso no jogo.

Armageddon não teve tanto impacto quanto Deception ou Deadly Alliance quando o assunto é música. Aqui a trilha sonora, que até este ponto da história era mais eletrônica e obscura, dava mais espaço para orquestras e guitarras com bastantes efeitos. Porém, Armageddon ainda marcou a memória dos fãs com a trilha de seleção de personagens e trilhas como Outworld Spire, Meteor Storm e The Belltower — arena que pela primeira vez recebe uma trilha exclusiva, antes usava a mesma trilha da arena The Rooftop.

The Belltower teve uma aposta bem legal nos ritmos e nas percussões. A introdução me faz lembrar bastante dos ritmos usados em loops de dubstep no começo dos anos 2000 — o mesmo vale para a Moloch’s Lair em Deadly Alliance. Ao longo da track, o ritmo é mais pro lado de breaks rápidos.

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Um fato curioso sobre a The Belltower em Armageddon: a música não tem nenhum instrumento que não seja de percussão. Apesar dos breaks rápidos, ela ainda também tem uma taxa constante de 148BPM (em relação ao gênero Drum and Bass que usa muitos breaks de percussão e costuma ser 172~174BPM).

O começo da queda

Pela primeira vez pude acompanhar o lançamento de um Mortal Kombat. Uma das coisas que mais esperava no Mortal Kombat 9/2011 era saber o que aconteceria depois do Armageddon e como seria as músicas do jogo — na época, não me passava pela ideia produzir ou se quer aprender algo sobre música. Assim como hoje, provavelmente eu estava escrevendo pra algum blog.

Gráficos são bonitos, as mecânicas são boas e a parte competitiva é relativamente ok (tem muito personagem quebrado — Kenshi vs. Jade é praticamente vitória ganha pra quem vai de Kenshi). E as músicas? São… boas. Olha, não é como se tudo o que foi feito a partir desse ponto em diante fosse ruim, mas sejamos sinceros: elas ficaram boas porque são praticamente covers das originais. The Armory ganha um swing no ritmo e troca o Santoor (suponho que seja isso na original em Mortal Kombat 2, ou algo próximo) por guitarras no lugar da melodia principal.

A The Belltower, que no Armageddon ficou excelente, aqui vira um amontado de tímpanos com bastante reverb — como se esse instrumento já não ecoasse bastante. Flesh Pits a mesma coisa. The Graveyard tem mais cara que pertence a jogos baseados no universo da DC. Boa parte das trilhas com praticamente uma nota só brigando por espaço na mix com percussões cheias de reverb.

Então, o jogo não tem trilhas boas? Tem. Vamos começar com as originais: Shang Tsung’s Garden. Aqui as percussões cheias de reverb funcionaram bem. O mesmo vale para a Shao Khan’s Throne Room. Essa última define a maldade que o personagem traz. Ela segue a mesma receita da Moloch’s Lair do Deadly Alliance quando se trata de ritmos, mas faz sua própria receita quando o assunto é melodia. A coisa fica ainda mais genial quando a parte de finalização tem acorde subindo pra provocar a tensão de um possível fatality.

A trilha de seleção de personagens não fica muito para trás, mas não se destaca tanto quanto as do Deadly Alliance ou Deception. Porém, ainda prefiro ela que a do Armageddon.

Nas releituras, The Courtyard (versão diurna) é impecável. Tem o mesmo tom sombrio e arrisco a falar que essa é a versão definitiva. Ela é mais rápida e tem mais atmosfera do que a original. A versão noturna é esquecível.

A releitura da Living Forest ficou muito boa. Um adicional de riffs de flautas e um baixo mais dinâmico fez a trilha ficar ainda melhor. Acredito que em termos de criatividade essa compete de frente com a The Woods do Mortal Kombat 4.

The Dead Pool foi até interessante, mas a parte que entra as guitarras com chorus fica meio sem sentido, da a impressão que tem algo tentando ser compensado.

A trilha sonora original do jogo tinha potencial pra ser melhor, ainda mais para arenas que não tinham sua próprias músicas nas versões originais. Infelizmente, vai ficar só na imaginação como poderia ter sido uma Scorpion’s Lair ou uma The Desert.

Mortal Kombat X e 11

É aqui que mora os maiores problemas. Não sei se é porque já ouvi demais, mas praticamente todas as trilhas do Mortal Kombat X que tem alguma percussão, soa como um audio demo para a biblioteca Damage — para Kontakt. Se você não produz nada de música ou está por fora do que estou falando, ouça os áudios dessa biblioteca aqui.

Felizmente tem algumas trilhas que salvam um pouco, dentre elas: The Krypt (essas tem um leve jeito para o Konquest de Mortal Kombat Deception), Round 2 da Krossroads (ficaria muito boa em alguma versão da The Subway), Holding off the Army e acredito que para por aí. Observe que não citei a tela de seleção de personagens.

No Mortal Kombat 11, pelo ao menos no modo história, não tem nada pra reclamar. Sins of the Father acaba sendo uma das minhas trilhas favoritas. No geral, a trilha sonora tem uma pegada mais egípcia do que asiática — dependendo de como o arranjo é trabalhado, isso da uma elegância única. Uma nova aposta e que deu certo na maioria das vezes.

Agora, salvo Black Dragon Fight Club e Shirai Ryu Fire Garden (Round 2), as demais músicas para as arenas acabam ficando à desejar: muita orquestra e nada muito memorável.

Um novo Mortal Kombat em 2023. O que esperar?

Boatos sugerem que esse ano terá como destaque o lançamento do Mortal Kombat 12. Assim como Mega Man, é sempre uma boa notícia quando sai algo novo na franquia.

O receio de trilhas a lá miojo sem tempeiro continua? Sim, mas digamos que com menos ênfase. Resolvi fazer essa postagem, pois notei que a opinião que tenho sobre as músicas dos últimos três jogos é compartilhada por muitos, inclusive nos comentários de várias trilhas que citei.

Outro motivo é que achei necessário dar um respaldo técnico sobre o que, ao meu ver, faz as trilhas dos jogos anteriores ao Mortal Kombat 9, darem certo.

Música

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