Barry Leitch — Além do Top Gear
Quem teve a oportunidade de jogar num Super Nintendo é quase certeza que conheceu Top Gear (também chamado de Top Racer). O jogo fez muito sucesso no final dos anos 90 pro começo dos anos 2000 (sim, eu sei, mas nem todo mundo tinha um PlayStation naquela época).
O jogo levou quase 5 meses pra ser desenvolvido, teve como uma de suas características mais marcantes (se não a mais marcante) a trilha sonora, feita por Barry Leitch. Neste primeiro especial (e nada mais especial e natural pra mim do que isso), vamos conhecer mais sobre o compositor Barry Leitch, uma das minhas principais inspirações para entrar no mundo da música.
Em 2020 tive a oportunidade de poder conversar pela primeira com o Barry. Fiquei impressionado pela humildade e o bom humor, o que invalida o ditado que diz para nunca conhecer seus ídolos. Acredito que a maioria das pessoas conhecem Barry pelo trabalho com o Top Gear e, mais recentemente, por Horizon Chase.
Não é difícil perceber a identidade natural do Barry em mais de 20 anos entre um trabalho e outro. Aos 0:48 de Bleeding Fingers fica evidente uma das características que é presente publicamente nos trabalhos dele desde o Lotus Turbo Challenge 2. Os arpejos com um delay curto e até um chorus (talvez dependente da estrutura sonora do Amiga) acabou virando uma característica de Barry ao longo de outros trabalhos.
Vai me dizer que isso, isso ou até mesmo esse não grita os ARPs que o Barry não costuma fazer?
Conversar com o Barry sempre é uma verdadeira alegria. Apesar de nós dois trabalharmos com música, esse é o assunto que menos conversamos. Provavelmente, o assunto mais evidente no que vi nas conversas é comida. Quem não gosta de falar sobre comida?
Em específico, a maioria das conversas com o Barry sempre são relacionados em quais eram suas inspirações ou quando ele começou. Isso é muito interessante, mas não é todo dia que você tem a oportunidade de conversar com uma pessoa que fala abertamente sobre diferentes tecnologias usadas para fazer música quando você ainda nem era nascido.
Voltando à música, uma das coisas que achei interessante é o fato de que Barry usa um DAW (estação de áudio digital) chamado Renoise. Renoise não perde nada em funções para outros DAWs, mas assim como o FL Studio, ele tem uma abordagem diferente. O FL Studio permite que o usuário possa colocar patterns e automações onde quiser (o que não lembro de outro DAW que possa fazer isso sem estar preso a uma track). O Renoise tem uma abordagem similar a trackers. Quem já usou o Famitracker sabe do que estou falando. Apesar de um jeito mais tradicional de produzir, o Renoise suporta tecnologias recentes como VST e AU e roda em Windows, Linux e MacOS (o que não pode ser dito da maioria dos DAWs, inclusive FL Studio). A interface não parece complicada, porém tem uma curva um pouco difícil de aprendizagem para quem está acostumado com DAWs que trabalham por tracks ou até mesmo o FL Studio.
E antes do Renoise, como foi?
Conhece o step sequencer do FL Studio? Esse na imagem é o Electrosound. Você podia escolher entre a enorme quantidade de 24 sons de percussão e 50 sons variados (chamados de preset voices) e você ai reclamando que vem poucos Synth Shots nos packs do Splice. Na época, Barry estava começando, então era ir errando e aprendendo. Em step sequencer você geralmente não tinha a opção de colocar pra tocar no meio da sequência e consertar possíveis erros. Ou seja, se você errou o processo seria: corrige onde está errado, salva, põe pra tocar tudo de novo e ore pra que tenha ficado certo.
Com o tempo, Barry conheceu o que praticamente define o que ele mais usa hoje: trackers. Primeiro foram os trackers no Amiga como Mod Tracker e Pro Tracker (que você pode usar no próprio navegador, link direto pra demo do tema de abertura do Lotus Turbo Challenger 2). Mais pra frente, com advento do PC e Mac, Barry teve a oportunidade de conhecer softwares mais completos como Cakewalk (hoje é gratuito) e Studio Vision Pro. Ambos tinham mais cara de software de produção mainstream, sem parecer um tracker de fato. Hoje Barry usa Skale Tracker pra coisas mais simples e Renoise pra trabalhos mais complexos (Horizon Chase).
Quais plugins de instrumentos/synth você mais usa?
Barry deu ênfase ao Waspy (atualmente descontinuado, desenvolvido pela Bitsonic). Até a terceira versão, o plugin vinha com mais de 800 presets, o que prova que dois osciladores parece ser o sweetspot em síntese sonora. Ele também comentou que recentemente fez uma assinatura na East West. Essa assinatura garante uma grande gama de sons para quem quer produzir praticamente qualquer coisa, porém um dos destaques são instrumentos voltados a orquestra (em vista que um dos fundadores é Nick Phoenix, produtor do Two Steps From Hell junto com Thomas Bergersen).
Quando questionei por sons de guitarras, Barry mencionou que além de trabalhar com guitarras reais, não deixa de trabalhar com guitarras sintéticas e até mesmo passar os sons do C64 por diferentes tipos de distorção e efeitos pra chegar aos sons que precisa.
E efeitos?
Maioria dos que Barry usa são do Renoise. Um dos plugins que ele menciona também é o Guitar Rig, da Native Instruments. O bom do Guitar Rig é que você pode usar ele não só como um rack de distorção pra guitarra, mas com outros tipos de efeitos. Quando a NI atualizou o Guitar Rig pra versão 6, ele trouxe vários de seus plugins pra dentro do Guitar Rig como componentes.
Barry disse que também tem vários outros plugins de terceiros, como Serum e Omnisphere. Porém, o importante é encontrar a ferramenta certa para o trabalho.
Fato curioso foi a empolgação do Barry quando descobriu os efeitos de echo (basicamente delay) que vem embutidos no Super Nintendo. O problema é que, de certa forma, isso consumia muita memória e em uma época que tudo era milimetricamente calculado, todo tanto de memória disponível valia ouro.
E quanto a hardware?
Uma coisa que sempre fiquei curioso. Não sou uma pessoa que usa hardware voltado a produção musical. Vejo um certo movimento no meio da música, principalmente na comunidade internacional que tem usado um termo “Dawless”. Esse termo é em forma literal você produzir sem usar um DAW, gravar as músicas como era antes dos anos 80.
No caso de Barry é basicamente ao contrário. Ele vendeu praticamente todo o hardware que tinha uns 20 anos atrás. Hoje ele tem um Korg Triton que não ta muito bem das pernas. Cobraram $400 dólares pra consertar e por esse preço é possível achar um usado mais enxuto.
Os sons para os jogos no começo dos anos 90
Vamos ser bem diretos: o Super Nintendo tem um bom som, mas fica melhor ainda depois que você sabe como esses sons são reproduzidos. Não é muito diferente de um sampler básico atual, porém você tinha somente 8 canais disponíveis no SNES, e esses canais eram divididos entre a música e os outros sons do jogo, por isso quando acontece muitas explosões em Mega Man X, você deixa de ouvir uma guitarra ou uma percussão.
A situação foi basicamente a seguinte: Barry não tinha exatamente sons pra trabalhar no Top Gear. A Kemco teve que mandar alguns sons para Gremlin trabalhar com eles. Porém, esses sons não funcionavam no Super Nintendo, então Barry teve que converter eles para serem reproduzidos no Super Nintendo. Só que não tinha como converter eles por conta própria, então teve que ir até a Nintendo com uma caixa de disquetes e pedir pro profissional de áudio responsável converter.
Conclusão
Nem todos os grandes projetos foram feitos de formas grandiosas. Barry teve uma quantidade notável de sufoco até chegar onde chegou. E não é todo “rockstar” que se mantém humilde. Essa humildade se prova por todas as entrevistas e pelas conversas.
Antes de conhecê-lo, Barry Leitch era uma das minhas maiores inspirações quando o assunto é produção musical. Hoje, ele também é inspiração como pessoa.
Para acompanhar as novidades sobre o trabalho do Barry, vai alguns links abaixo:
https://idtd.nl/MzRDk